quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Pequeno amar



Era a quinta noite que dormiam juntos, em dois meses. Ficavam dias e dias sem se ver, que para ela pareciam toda uma vida: ela nascia, crescia e morria, e voltava a nascer quando ele esboçava qualquer sinal de afeto.
                Já era sua quinta vida. Sabia que só tinha mais duas e temia por elas. Olhava para o teto um pouco atônita. Não queria estar ali. Por que estava ali? Estava cansada daquele pouco amar, daquela falta de entrega. Ele acariciava delicadamente seu corpo, causando pequenos arrepios. Era um carinho que parecia sincero, mas nem por isso continha amor. Era por isso que ela estava ali. Pelo arrepio. Porque tinha ouvido em algum lugar que qualquer amor já é um descanso na loucura. Ainda que duvidasse muito daquilo: sua falta de paz nesses dois meses era prova de que às vezes o pequeno amar deixa a gente meio doida. Ela se sentia meio lunática. Por que estava ali, mesmo? Tudo com ele parecia tão sincero, tão cheio de verdade, tão... macio. Tão vazio, porque sem amor, sem imaginação. Tudo bem, ele tinha acabado de amar, muito, outra. Sei lá se sobrava amor. Foi meio que intelecção amorosa, por parte dela. Imagina, se entregar tão rápido assim pra alguém que nem conhecia. Já tinham trocado os cinco fluidos sagrados, quatro que começam com S e um que escorre pela face serpenteando – mas esse talvez só ela tivesse vertido sobre seus ombros; ele não, acho que ele nunca tinha derramado uma lágrima sequer. Ela lhe tinha entregado todos os segredos do corpo e nenhum da alma. O que é uma grande mentira, porque a alma ia dissolvida nesses fluidos, ele quem nunca reparou. Tudo bem, se sua função era ser parideira do eu inato dele, já era uma função bastante nobre. Mas seguia esperando ansiosamente por sua própria maiêutica.
                Sempre se encontravam quando já era noite, enquanto ela claramente preferia os ocasos, ou as alvoradas. Na verdade ela preferia os dias inteiros, mas sabia que era pedir demais. Não sabia quando tinha se tornado tão crepuscular, ou se era desde sempre. Era difícil se estudar, assim. Por isso mantinha diários, para poder fazer estudos menos unilaterais de si mesma. O crepúsculo era o vértice do mundo. Ela às vezes era o vórtice, dela própria, dançando com Coriolis. Que lindo era um bom baile cumbiero girando e girando...
                Ele sambava. Ou pelo menos esses eram os boatos. Ela tinha planos de estudar violão. Sua desenvoltura sempre esteve nos sopros, com que tinha uma afinidade grandíssima. Tinha aprendido a respirar com a flauta doce, a cantar seu coração tamborilando carinhosamente os dedos no corpo de madeira dos instrumentos, e gostava da sensação dormente em sua boca depois de horas tocando. Mas agora... Já fazia uns tempos que seu ser clamava pelas cordas. Durante muito tempo esperou por um violonista que a acompanhasse na base. Ouvia alguém tocando a Bachianinha 1 e sentia seu corpo estremecer esperançoso. Em algum momento de sua vida, porém, decidiu que tudo aquilo que admirasse muito em alguém, a ponto de querer a pessoa para si, aprenderia a fazer por si só. Seria seu próprio eu. Também gostava de batucar de vez em quando, embora reconhecesse sua fraqueza para manter ritmos. Ele tocava pandeiro. Tinha pinta de quem tocava bem, porque era organizado e comedido em tudo o que fazia. Devia ser preciso como um metrônomo.
                Seguia olhando para o teto, enquanto sentia o coração manso dele batendo em sua barriga. Ele, de bruços, apoiava sua cabeça em seu corpo como alguém que quer ouvir o que está acontecendo lá dentro, envolvido pelo carinho delicado e firme dela. Sentiam-se assim, como quem espera um filho. Por um momento hesitou: qual dos corações era esse que pulsava ali em sua barriga? Compasso ternário, como o das músicas campesinas que tinha aprendido a dançar.
                O nascer do sol naquela parte de cidade era meio bobo. Sem cor, sem sal. Só prédio. Aquele ventinho que entrava pela fresta da janela a vinha chamar para sua realidade. Faltava cheiro de terra molhada, há muito.
                Ela o apertou forte contra o peito, sentindo sua pele macia, aquele cheiro leve de banho, suor e sexo, sua morenice, sua voz suave. O gosto não sabia muito bem, foi pouco tempo para descobrir. Engraçado como alguém tão terno podia, sem querer, ferir agudo como uma navalha. Feria no peito fazendo sangrar. Mas se não é pra sambar junto, então o sangue vai para pachamama.
                Beijou-lhe a testa, como quem diz Bonito, quando você tiver espaço para amor, eu volto, juro que volto. Fez um carinho ali onde despontava uma entrada e alguns cabelos brancos. Deslizou suavemente da cama como um gato, vestiu-se, enquanto ele olhava curioso, e partiu. Verteu uma lágrima para o santo, o resto tragou como cachaça. E anestesiada rumou para o sul.


Filho das quartas-feiras, da disciplina Educação e Cultura II: imaginário e processos simbólicos (com o Marcos Ferreira, na FEUSP), da Clarice Lispector, de Mercúrio, da Lua, da vida.

domingo, 25 de novembro de 2012

Pensamentos taraxacum - algures




Penso no que foi como alguém que imagina o desconhecido,
uma leve insegurança,
uma vontade de (re)viver a novidade.



sábado, 17 de novembro de 2012

Além



Declaro a morte de tudo o que já está morto
e a inexistência daquilo que não existe,
e peço um minuto pelo silêncio que reina velado.
Que amansem as vozes que já não são,
que acalme o pulso acelerado do medo
e que nos fixemos agora no nada em nossa volta.

Aí está ele, fingindo ser.
Mas se você reparar bem, olhar fundo
não há nada mais do que outra pessoa,
outras tantas pessoas,
tentando enxergar além do vazio.
Este agora está incolor, inodoro,
sem gosto e sem graça.

Ninguém está tentando te calar.
Ninguém está tentando te matar.
Não aqui, não no centro dessa cidade.
Quem está contra você?
Essa pessoa, buscando algo além do nada?
De quem você tem medo?
Desse homem sem cobertor embaixo da chuva,
olhando a névoa se dissipar?

Quando os gritos de horror se calam,
não ouvimos gritos de agressão.
O agressor não está.
Onde está o maldito?

Além do vazio está você,
estamos nós.
Quando o orvalho baixa,
a lua ilumina todos os rostos assustados.
Somos muitos,
e a noite é nosso lençol.

O olhar de medo vira um olhar sem graça.

Uma voz soprano entoa um lamento.
Alguém pega uma caixa de fósforos e começa a batucar.

Agora sim, agora sim...
Que comece a festa!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

< 3



Caminaban los tres por la carretera. Hacia tanto tiempo que no pasaba un auto que no estaban preocupados de estar allí, en el medio del ripio, con tanta tranquilidad. Era una tranquilidad cansada, de estas que llevan la sabiduría en las espaldas. Se sentaron para hacer fideos y recobrar el aire.
No pasaban autos porque la carretera estaba bloqueada y se cortó la venda de bencina: era tiempo de manifestaciones por una vida más digna en la región. Aunque quisiesen llegar pronto al pueblo, porque ya caminaban por tres días, comprendían las actitudes de la gente del lugar, y apoyaban. Son siempre los pequeños trabajadores que sufren con las ideas geniales de Los Grandes.
Acababan poco a poco las reservas, la comida estaba más cara. Aun así, estos días que estaban juntos en la carretera eran bendecidos, por el simple hecho de estar juntos, y conociendo buena gente en el camino. Por supuesto que el paisaje increíble, las montañas, los lagos, el viento frio, también echaban fuerza y alegría al trio.
Por la noche armaban la carpa, comían galletas y dormían juntitos, para calentarse. En el camino duro hacia el futuro, los tres no medían amor, no economizaban: donde están dos pueden estar tres o más. A la gente le parecía raro, a muchos no les gustaba. ¿Cómo una pareja de tres? ¿Qué tipo de perversión era esa? Suerte tenía el chico, pensaban unos más machistas. Los tres caminantes, por su vez, solo caminaban, sin miedo y ayudándose y a todos que necesitaban.
Ya sabían que cuando llegasen a la ciudad, otra vez, pasarían por muchas críticas. Ellos tampoco estaban ciertos de que era aquello, pero si el amor se muestra, ¿por qué no abrazarlo? ¿Y por qué no abrazar a toda la humanidad?
Les sonaba un poco rara esa lógica de vivir, donde el poder y el dinero son más importantes que la felicidad, las personas y sus vidas. Les sonaba raro eso de haber gente con tanta, tanta plata, y sin nada de bien que hacer con ella, mientras tanta gente sigue hambrienta. Y más extraño parecía que a la gente le molestaba más el amor manifiesto de una forma distinta, en lugar de esto todo.
Entonces seguían amándose. Era el mejor a hacerse, sin dudas.