quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Acho que é



Há uma tristeza dentro de mim
e eu não sei o que fazer com ela.
Tem uma tristezinha dentro,
e eu sei que ela não me pertence.
É como aquele cravo
que nós apertamos com insistência
e ele simplesmente não sai,
e você esquece e passa,
mas  de quando em quando
você lembra que ele está lá.
Uma tristeza de como se eu tivesse
noventa anos de idade
e estivesse a pelo menos
dez mil quilômetros
da minha cidade natal.
Ou aquela tristeza incômoda
de ter perdido alguma coisa
que já nem lembro mais o quê.

E ela vem assim,
maior com nona
seguida da dominante
(com sétima menor).
Eu toco violão
eu toco flauta
eu canto e lamento e lamento
e nenhuma frequência
põe essa tristeza em movimento.

Eu queria saber de quem ela é,
quem foi que deixou ela aqui.
Porque ela não é minha
e não tô em condições
de cultivar tristeza alheia.

Amigos!
Estou doando uma tristeza!
Quem souber desincrustá-la
desse não sei bem onde aqui dentro,
leva a tristeza,
e uma serenata!

É que tenho sono
e muita preguiça
de tentar entender.
Mas não parece nada cabeludo,
minha gente,
é só dessas coisas que às vezes
a gente sente.

Sabe que,
olhando bem no fundo dos olhos
ela não é tristeza não.
Pode que seja só uma tarde de domingo,
ou uma pança bem cheia,
ou o final de um bom livro,
ou a despedida de um amor no terminal de ônibus.
Pode ser que seja só
a ressaca do ontem
precedendo o frio na barriga do amanhã.

Acho que é meu mesmo.

domingo, 3 de agosto de 2014

Apaixonar-se



Ventava fresco, 26°C num dia de inverno, céu azul, tempo ameno, dia de uma serenidade que nunca uma cidade grande como aquela podia oferecer. Ela balançava na rede, atenta somente ao movimento de ir e vir e à música que aquele dia compunha na sua cabeça.
Um frio na barriga. Lembrou-se do caminho para a casa de sua avó, e de como em sua infância aguardava com emoção os momentos em que o carro passava por descidas, provocando frio na barriga.
Borboletas no estômago... Toda uma sensação macia e quente de um carinho interno que subia desde a barriga até o pescoço, envolvendo, desnorteando, chegando ao rosto no tom avermelhado, como se de repente a coisa toda virasse timidez.
A serenidade e a sensação de cosquinhas não vinham do balanço da rede, nem da energia externa. Era paixão. Era um amar adolescente que ela acreditou que tinha morrido depois de tanta vida trilhada.
Mas da onde vinha? – era óbvio que nascia ali, num ponto logo abaixo do umbigo – Mas de quem vinha? Tão cheia de vida andava a vida, tão cheia de gente, de lugar, de espírito, de som. Da onde exatamente vinha?
Parecia que a resposta a essa pergunta traria algo como uma resolução de problemas; distinguir no meio daquele bolo todo a fonte das borboletas coloridas e musicais seria o achado da vida.
A rede parou de balançar. Começou a escurecer. Toda sua banda interna parou de tocar tantas músicas de tarde de sol e um coro de vozes entoou um motete com textura e movimento de chama de vela.
Atenta ao centro daquela chama ela percebeu.
Que besteira procurar a fonte dessa paixão. Que besteira desfazer o emaranhado de acontecimentos, como alguém que desmonta um instrumento musical buscando a origem da música, desfia as cordas à procura dos harmônicos.
Apaixonante era a própria vida, arrebatadoramente apaixonante, assim, inteira e complexa.